Arqueomagnetismo no Brasil: Variações da intensidade do campo magnético terrestre nos últimos cinco séculos

Resumen   Abstract   Índice   Conclusiones


Gelvam André Hartmann

2011-A
Descargar PDF


 
Resumen

HARTMANN, G. A. Archeomagnetism in Brazil: Intensity variations of the Earth’s magnetic field for the past five centuries. 2010. 244pp. Thesis (Doctorate) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

The Earth’s magnetic field varies in different timescales, from milliseconds to billions of years. Magnetic data from observatories and satellites indicate that the dipole moment has continuously been decreasing for the past 150 years. This decay is associated to the presence of non-dipole sources covering a wide region that encompasses the South Atlantic and part of South America; in Brazil, the contribution of the non-dipole fields varies strongly with latitude. In the archeomagnetic timescale (~103-104 years), the evolution of the Earth’s magnetic field is not well established, mainly due to the scarcity of data from southern hemisphere, which contributes with only 5% of the intensity data for the past 4,000 years. South America is the terra incognita of archeointensity, counting only a handful of results from Peru, Ecuador and Bolivia. This thesis presents the first archeomagnetic results from Brazil. In order to investigate different contributions of non-dipolar sources, we concentrated our sampling in two regions located in different latitudes – the Northeast and Southeast regions of Brazil. In the Northeast region, all samples were collected in the city of Salvador (BA), the first Brazilian capital settled in 1549 AD. In the Southeast region, sampling was conducted in the cities of Anchieta (ES), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Iperó (SP), Piracicaba (SP) and Botucatu (SP). All paleointensity data was obtained from architectural fragments (bricks and some tiles) dated between 1550 AD and 1920 AD. The age of bricks and tiles was established on the basis of archeological studies and the historical record of the buildings, providing age uncertainties of less than 30 years for most of the samples. Paleointensity estimates were obtained by two methods: (a) double-heating with measurements in room temperature, using the modified version of the Thellier protocol; (b) double-heating with measurements in high temperatures, using the Triaxe protocol. After measurements and magnetic corrections, all samples were screened using strict selection criteria resulting in 23 high-quality new site-mean intensity values (from 584 analyzed specimens, with a success rate of 57%). These results were integrated into two curves of geomagnetic intensity variation for each studied region over the past five centuries. These curves reveal an oscillating dipole moment for the past five centuries, a behavior not predicted in currently available geomagnetic field models, thus providing key information on the dipole and non-dipole field evolutions in this timescale. The rapid intensity changes described in these curves permit the application of archeointensity techniques as an archeological dating tool, as exemplified by the dating of a house from the Pelourinho area, in Salvador city.

Keywords: archeomagnetism, geomagnetic secular variation, non-dipole field, paleointensity, archeomagnetic dating.

 


 
Abstract

HARTMANN, G. A. Arqueomagnetismo no Brasil: variações da intensidade do campo magnético terrestre nos últimos cinco séculos. 2010. 244pp. Tese (Doutorado) – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

O campo magnético da Terra varia em diferentes escalas de tempo, de milissegundos a bilhões de anos. Os dados de observatórios magnéticos e satélites obtidos nos últimos 150 anos indicam que o momento do dipolo magnético terrestre está diminuindo continuamente. Essa queda está associada à presença de fontes não-dipolares do campo em uma extensa região que abrange todo o Atlântico Sul e uma porção da América do Sul, sendo que no Brasil a contribuição dessas fontes varia fortemente com a latitude. Em escala de tempo arqueomagnética (~103-104 anos) a evolução do campo magnético terrestre não é tão bem estabelecida, principalmente em função da escassez de dados no hemisfério Sul, que contribui com apenas 5% dos dados de intensidade obtidos para os últimos 4.000 anos. A América do Sul, com alguns poucos resultados no Peru, Equador e Bolívia, pode ser considerada a terra incógnita da arqueointensidade. Nesta tese são apresentados os primeiros resultados arqueomagnéticos para o território brasileiro. Foram escolhidas duas regiões de estudo, o Nordeste e o Sudeste do Brasil, situadas em diferentes faixas de latitude de modo a investigar diferentes contribuições de componentes não-dipolares do campo. No Nordeste, as amostras foram coletadas na cidade de Salvador (BA), a primeira capital do Brasil, fundada em 1549 AD. Na região Sudeste a amostragem foi efetuada nas cidades de Anchieta (ES), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Iperó (SP), Piracicaba (SP) e Botucatu (SP). Nas duas regiões, a paleointensidade do campo magnético terrestre foi obtida em materiais construtivos (tijolos e alguns fragmentos de telhas) datados entre 1550 AD e 1920 AD. As idades desses materiais foram estabelecidas com base em estudos arqueológicos e registros históricos das construções, fornecendo incertezas inferiores a 30 anos para a grande maioria das amostras. As paleointensidades foram estimadas utilizando-se dois métodos: (a) duplo aquecimento com medidas em temperatura ambiente, pelo protocolo de Thellier modificado por Coe; (b) duplo aquecimento com medidas contínuas em alta temperatura, pelo protocolo Triaxe. Após as medidas e correções magnéticas, todas as amostras foram analisadas com base em rigorosos critérios de seleção, que resultaram em 23 novas determinações de intensidade de alta qualidade (correspondendo a um total de 584 espécimes analisados, com uma taxa de sucesso de 57%). A partir desses resultados foram traçadas duas curvas de variação da intensidade do campo magnético para cada uma das regiões estudadas, abrangendo os últimos 500 anos. Essas curvas revelam uma oscilação do momento de dipolo nos últimos cinco séculos, que não foi prevista nos modelos de campo disponíveis atualmente, trazendo implicações importantes no entendimento da evolução dos campos dipolar e não-dipolar nessa escala de tempo. As variações rápidas descritas nessas curvas permitem aplicar o arqueomagnetismo como ferramenta de datação arqueológica, como exemplificado pela datação de uma casa do Pelourinho em Salvador.

Palavras chave: arqueomagnetismo, variação secular geomagnética, campo não-dipolar, paleointensidade, datação arqueomagnética.

 


 
Índice

Introdução1

Capítulo 13

1.1Origem do campo magnético da Terra3

1.1.1Representação do CMT por harmônicos esféricos4

1.1.2CMT de origem externa6

1.1.3CMT de origem interna6

1.1.4Origem do campo principal8

1.2Bases de dados9

1.2.1Dados paleomagnéticos10

1.2.2Dados de observatórios e satélites11

1.2.3Dados arqueomagnéticos12

1.3Modelos de campo para os últimos milênios14

1.4Variação do CMT para os últimos milênios18

1.4.1As variações do campo dipolar18

1.4.2Os jerks arqueomagnéticos21

1.4.3As variações do campo não-dipolar23

Capítulo 229

2.1Introdução29

2.2Coleção Nordeste31

2.2.1Igreja Mem de Sá (IMS)34

2.2.2Praça da Sé (SE)35

2.2.3Praça da Sé 1 (SE1)35

2.2.4Praça da Sé 2 (SE2)36

2.2.5Museu de Arte Sacra (MAS)36

2.2.6Solar Berquó (SB)37

2.2.7Farol da Barra (FB1+2)38

2.2.8Casa do Pelourinho número 27 (CP27)38

2.2.9Casa número 06 (C06)39

2.2.10Corpo de Bombeiros (CB)39

2.2.11Solar Conde dos Arcos (SCA)40

2.2.12Tijoleira Farias (TF)40

2.2.13Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia (MAE4)40

2.2.14Galeria Canizares (GC)41

2.3Coleção Sudeste42

2.3.1Igreja de Nossa Senhora Assunção (INSA)45

2.3.2Igreja de São Lourenço dos Índios (SLI)45

2.3.3Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (OTP)46

2.3.4Igreja de Nossa Senhora da Saúde (INS)47

2.3.5Fábrica de Ferro (FF3, FF2, FF4, FFY)48

2.3.6Museu Prudentes de Moraes (MPM1+2)50

2.3.7Fazenda Lageado 1, 3, 4 e 5 (FL1+3+4+5, FL2)51

Capítulo 353

3.1Magnetização termoremanente53

3.1.1Teoria da MTR em grãos SD54

3.1.2Leis da magnetização termoremanente parcial57

3.2Determinação de paleointensidade absoluta por duplo aquecimento58

3.3Métodos de paleointensidade com medidas em temperatura ambiente59

3.3.1Método de Thellier e Thellier (1959)59

3.3.2Método de Coe (1967)60

3.3.3Efeito de anisotropia na MTR62

3.3.4Efeito da taxa de resfriamento na MTR64

3.3.5Protocolo de medidas TT-ZI utilizado neste trabalho64

3.3.5.1Correção do efeito de anisotropia da MTR66

3.3.5.2Correção do efeito da taxa de resfriamento66

3.3.5.3Critérios de seleção e análise67

3.4Método de paleointensidade com medidas em alta temperatura69

3.4.1Medidas da magnetização termoremante em altas temperaturas69

3.4.2Protocolo de medidas Triaxe utilizado neste trabalho70

3.4.2.1Correção do efeito de anisotropia da MTR74

3.4.2.2Correção do efeito da taxa de resfriamento74

3.4.2.3Critérios de seleção e análise75

3.5Estudos de Mineralogia magnética76

Capítulo 479

4.1Resultados da coleção Nordeste79

4.1.1Mineralogia magnética79

4.1.2Resultados de arqueointensidade82

4.1.2.1Resultados pelo protocolo TT-ZI82

4.1.2.2Resultados pelo protocolo Triaxe87

4.2Resultados da coleção Sudeste90

4.2.1Mineralogia magnética90

4.2.2Resultados de arqueointensidade93

4.2.2.1Resultados pelo protocolo TT-ZI93

4.2.2.2Resultados pelo protocolo Triaxe96

Capítulo 5101

5.1Datação arqueomagnética101

5.2Um exemplo de datação arqueomagnética104

Capítulo 6107

6.1Variação da intensidade do CMT para os últimos 500 anos107

6.1.1Curva de referência para a região Nordeste do Brasil107

6.1.2Curva de referência para a região Sudeste do Brasil109

6.1.3Implicações na evolução do CMT em escala de centenas de anos111

6.2Considerações finais e perspectivas113

Referências115

Apêndices125

Apêndice A125

Apêndice B127

Apêndice C128

Apêndice D129

 

 
Conclusiones

As análises de paleointensidade nas duas coleções estudadas foram efetuadas em fragmentos coletados em sítios com contextos históricos, arqueológicos e arquitetônicos muito bem definidos. Somente sítios que não apresentavam ambigüidade com relação à idade foram considerados na construção das curvas de arqueointensidade. Esses materiais foram testados através de investigação da mineralogia magnética e somente os mais promissores foram analisados. Os procedimentos experimentais (TT-ZI e Triaxe) se mostraram adequados para determinação da paleointensidade nesses materiais, com taxa de sucesso global de 57%. Neste ponto, salienta-se a importância da aplicação da correção de anisotropia, para diminuição da dispersão intra-fragmento, e da correção da taxa de resfriamento, para diminuição significativa de valores de intensidade espúrios. Após as análises experimentais foram aplicados rígidos critérios de seleção aos resultados, onde somente fragmentos e sítios que tivessem uma boa coerência nos valores de intensidade foram incluídos nas curvas de referência. Portanto, os resultados alcançados neste trabalho podem ser considerados de boa qualidade e definem as bases para estudos futuros de arqueointensidade na região.

Os resultados apresentados nesta tese são os primeiros obtidos em materiais arqueológicos históricos do Brasil e preenchem uma lacuna importante em uma das regiões mais carentes de dados arqueomagnéticos em todo o globo. Os dados de intensidade são fortemente influenciados pelas fontes não dipolares do campo presentes na América do Sul e mostram diferenças significativas entre as curvas de variação para as regiões Nordeste e Sudeste. Esse comportamento contrasta com aquele observado na Eurásia, onde as curvas de variação de arqueointensidade são coerentes ao longo de grandes regiões, o que revela a necessidade de obtenção de curvas regionais para a América do Sul com boa qualidade temporal e espacial para que se possa reconstruir a variação do campo no passado. Isso implica no aprimoramento das curvas obtidas para o Nordeste e Sudeste, mas também na construção de novas curvas para outros setores do continente. Além de estudos de arqueointensidade, um dos desafios futuros será a obtenção de dados paleodirecionais devido à ausência desse tipo de registro no continente para os últimos séculos.

As variações rápidas da intensidade observadas nas curvas regionais têm um forte potencial de aplicação em estudos arqueológicos, como demonstrado nos estudos efetuados no Pelourinho. Esse trabalho deverá ser expandido com o intuito de estudar a história de ocupação do centro histórico de Salvador juntamente com os arqueólogos do Projeto Monumenta. Além da utilização como ferramenta de datação, os métodos arqueomagnéticos podem ser utilizados em diversas outras aplicações. Dentro do tema de estudo desta tese, dois outros trabalhos de aplicação do arqueomagnetismo em estudos arqueológicos estão sendo conduzidos: estudos de proveniência de material cerâmico a partir do contraste de intensidade entre o material originário do Brasil e aquele proveniente da Europa; análise de processos de fabricação de material construtivo, a partir da comparação das formas de manufatura e os parâmetros de anisotropia magnética em materiais construtivos. Esses estudos revelam o interesse no desenvolvimento do Arqueomagnetismo, um domínio de pesquisa multidisciplinar com interfaces entre a Arqueologia, o Geomagnetismo e o Magnetismo de Materiais.